quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Trecho de "O Sonho do Homem Ridículo" - Dostoiévski

"Sou um homem ridículo. Agora já quase me têm por louco. O que significaria ter ganho em consideração, se não continuasse sendo um homem ridículo. Mas eu já não me aborreço por causa disso, agora já não guardo rancor a ninguém e gosto de toda a gente, ainda que se riam de mim... sim, senhor, agora, não sei por quê, mas sinto por todos os meus próximos uma ternura especial. Teria muito gosto em acompanhá-los no vosso riso... não precisamente nesse riso à minha custa, mas sim pelo carinho que me inspiram, se não me fizesse tanta pena vê-los. É pena que não saibam a verdade. Oh, meu Deus! quanto custa isso de ser um só a saber a verdade! Mas isto não compreendem eles. Não, nunca compreenderiam isto. A princípio fazia-me sofrer muito a ideia de parecer ridículo. Não o parecê-lo, mas o sê-lo. Eu sempre fui ridículo, e eu já o sabia talvez desde que nasci. Talvez já aos sete anos eu me apercebesse perfeitamente de que era ridículo. Depois fui para a escola, e a seguir para a Universidade, mas... quanto mais aprendia, mais obrigado me via a reconhecer a minha condição de criatura ridícula. De maneira que todos os meus estudos universitários não tinham outro objetivo senão o demonstrarem-me e explicarem-me a mim próprio, nas minhas meditações, que eu era um ser ridículo. E, na vida, acontecia-me o mesmo com a ciência. Todos os anos aumentava e se fortalecia em mim o conhecimento da minha condição ridícula, em todos os sentidos. Toda a gente se ria de mim. Mas ninguém sabia, nem suspeitava se quer, que, se existia no mundo um homem que soubesse melhor do que todos eles como eu era ridículo, esse homem era era eu próprio. E era precisamente isso o que mais me enraivecia: que não soubessem. Mas disso tinha eu a culpa. (...)... e que foi a convicção adquirida de que tudo neste mundo é, afinal, uno.Havia já muito tempo que o pressentira, mas a convicção plena só assentou no meu espírito no último ano e de uma maneira súbita. Senti de um momento para outro que para mim tudo era indiferente, que tanto me fazia que o mundo existisse como não. Pouco a pouco ia vendo e sentindo que não havia nada fora de mim. Parecia-me que, de fato, a princípio tinham existido muitas coisas, mas adivinhei igualmente depois que antes também não tinha havido nada, e que se assim me parecera, foi por alguma razão. E, pouco a pouco, fui-me convencendo que daí para diante também não haveria nada. A partir dessa altura até agora deixei de preocupar-me mais com os mortais e quase e quase não voltei a dar-lhes atenção. O que não tardou a refletir-se sobre as coisas mais insignificantes, pois ocorria-me, por exemplo, quando andava pelas ruas, dar encontrões em toda a gente. E não se julgue que era por ir afundando em meditações, isso não podia ser, porque eu já tinha de pensar em tudo, tudo me era indiferente. Ainda se ao menos me tivesse entregue à resolução de problemas! Mas não, nem um só resolvi na minha vida, e, isso, havendo-os aos pontapés. Mas como tanto me fazia, os problemas afastavam-se de mim sozinhos. (...)"

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